Vamos, falar de infância? Educação como estamos há milhares de anos acostumados preparam homens ou crianças? A pergunta parece tola e sem sentido? Pense um pouco. Para que você aprende somar 1 + 1? Os marxistas de plantão dirão que é para você se encaixar na estrutura social como mais um objeto de mercado pronto a ser reificado e ser um bom cidadão que sabe contar para que a economia flua bem. Há parcela de verdade nisso. Mas como li recentemente, melhor uma mentira completa que meia verdade, ao menos a mentira completa é completa... Os matemáticos dirão, com base em sua arte, que é preciso abstrair e que a criança precisa criar pensamentos abstratos, senão nem terão como se relacionar com o mundo, ainda mais sem as bases para a civilização que criamos (computadorizada, planejada, edificada, técnica, higiênica, ...). Também há verdade nisso. Os lingüistas semióticos que a chancela do mundo sem os símbolos é impossível, como comunicar sem símbolos? (Obs: Perguntem aos amantes apaixonados se o que estão comunicando é realmente simbólico, mas não quero abrir mais discussões no momento). Enfim, cada área dará seus "porquês" infindáveis para que a criança saiba somar 1 + 1. Há algum problema nisso tudo? Aparentemente não, normal, sempre foi assim, qual o problema? A criança não quis isso... Esse é o problema... E + ducere = conduzir para fora. Conduzir para fora de onde? Dizem que para fora no sentido de conduzir para o mundo. Interpretação correta, e justamente por ser correta já começa o problema aí. Encaramos a criança como se ela nada soubesse, como se sua estrutura (física, biológica, como queiram chamar) fosse completamente inútil até você ensinar algo para ela, até você trazer ela para o mundo. Que interpretação grosseira, rasa, e violenta... As irmãs que foram abandonadas na selva e foram criadas por lobos e agiam como lobos, não tinham linguagem demonstram justamente que tinham linguagem e sabiam muito bem interagir com o mundo, mas seus padrões se tornaram os dos lobos. Se quiséssemos refundar mesmo a educação teríamos de parar de a chamar, por princípio de educação, mas de ducação, ou condução. Parece uma troca de termo tolo, mas isso já revela muito... Conduzir (do mesmo verbo latino ducere) é encaminhar-se com o outro. Conto uma história pequena que li certa vez das letras do Tião Rocha (educador fora da caixa como gosta de se classificar, que pega crianças, faz uma roda embaixo do pé de manga e abre uma discussão do que querem aprender, como será encaminhado, o que tem curiosidade de saber, e aqui começa a condução ou ducação, vejam a diferença), que um menino do interior nordestino jamais havia visto o mar. Seu pai conseguiu após anos levar o menino para ver o mar, que tinha visto por televisão e histórias, mas tamanho foi o deslumbramento da criança diante do mar, diante daquela imensidão em horizonte, daquela areia, de tudo que todos que se vêem diante do mar sabem mais ou menos o que digo sem qualquer palavra para descrever, aquele assombro foi tamanho que ele voltou correndo para seu pai e disse: "Pai, vem cá, me ajuda a olhar!". Entendem? Isso é ducação, isso é condução. Ajudar a olhar. Conduzir quando necessário. Se a criança um dia sentir vontade, realmente uma necessidade de somar 1 + 1 irá chamar um "adulto" (somos todos eternas crianças desgastadas e deformadas pelo mundo e a isso chamamos de sermos "adultos") e isso caso não consiga sozinha, porque as crianças são as verdadeiras autodidatas menosprezadas pela educação formal das "grades curriculares" (estamos presos no cárcere da mediocridade). A nossa educação é mais ou menos o seguinte, ninguém lhe pergunta se quer tomar certo ônibus, ninguém lhe pergunta seus anseios, suas vontades, então à força o colocam em um ônibus que você não sabe para onde vai e você vai porque foi obrigado. Levaram para fora de onde você estava, sem perguntas, sem sutileza, pura violência. Se você gostava de onde estava, isso é irrelevante para a educação. Você precisa ser uma máquina de memorização rápida e eficiente. E antes que os incautos argumentem: "Mas as crianças não sabem o que querem estudar. Se deixarem ao seu bel-prazer nem vão estudar, elas não vão gostar de estudar! Não gostam de estudar sozinhas, o que dirá por conta própria". Vamos com muita calma agora esmiuçar essa prepotência dos adultos ressentidos. A criança é naturalmente uma aprendiz. Se ela olhar uma máquina funcionando irá ficar extremamente intrigada de como aquilo funciona, e aí a partir de sua curiosidade irá realmente ir atrás, irá querer saber e mais que decorar fórmulas físicas e matemáticas irá pensar como aquela máquina foi pensada e projetada. Isso será instigante. Minha mãe começou a desenhar com seis anos de idade sem que ninguém obrigasse ela a desenhar. Por que ela se interessou por arte? Ninguém sabe, nem sequer ela. Aquilo fascinou seu olhar e nunca mais parou. Eu comecei a ler sem estímulo algum familiar. Escrever então, teria de fazer isso sozinho. Não se explica. Se dependêssemos de escolas e universidades para pensar e construir o mundo, certamente não haveria mundo, porque não havia escolas e universidades na pré-história. Não sou contra conhecimento, isso seria tolice e estupidez de quem passou mais de 12 anos atrás de livros. Sou contra obrigar alguém que não quer fazer isso ter que fazer isso para se "posicionar na sociedade". Se isso não toca aquela criança, o que se poderá fazer? Imagine se Machado de Assis dependesse das escolas, se tivessem matado o espírito de um Van Gogh nas academias... Acreditar que as crianças são tolas e estúpidas é de alguém certamente tolo e estúpido que se esqueceu de ser criança... Aí surge o medo: "Mas se não houver currículo obrigatório, como ficarão nossas crianças? Aprenderão o que quiserem, isso será uma zona, uma zorra completa, sem ordem, sem organização, isso não é mais possível! Você é completamente utópico!". Será mesmo? Será que os homens que querem controlar o pensamento não percebem que é impossível? Se eu estou aqui hoje falando isso é porque mesmo com todas as bobagens que falaram até hoje, com todas as regras, fórmulas, controles conseguiram deixar escapar alguém que resolveu pensar? É inevitável... E é isso mesmo, que seja uma desordem completa a Vida, para que essas crianças que sintam o amor pelo que queiram estudar, pelo que queiram fazer, façam brotar no Universo olhares diversos dos mecanizados e estéreis que estamos criando. Conseguem perceber? Essa "desordem" será mais ordenada que toda "ordem" e regra atuais, porque aí teremos verdadeiros pesquisadores, verdadeiros criadores, verdadeiros inventores, verdadeiros homens que encarnam sua existência sem que lhe digam que estão errados. Isso assusta? A quem foi doutrinado com certeza, porque aí o mundo que ele cresceu, todas as ninharias e irrelevâncias que aprenderam se tornam hoje completamente inúteis e isso é de angustiar qualquer um. Imagine quarenta anos pensando que é preciso ser PhD por Oxford para ser alguém respeitado por seus pensamentos, ver alguém afirmar que uma criança de oito anos pode ser mais inteligente que ela? Isso destrói todas as bases em que fundamos nossa triste história da educação... Ducar é conduzir, ajudar a ver, jamais impor uma visão "correta". Todos os sábios sabem disso. Ninguém pode falar do Tao. O caminho é estar caminhando... A criança já nasce caminhando sua existência. E todos os dias "educamos" nossas crianças a destruírem seus mundos "tolos", "infantis", "estúpidos", "inocentes", "não-escolados"... Vou contar outra pequena história. Uma professora pediu aos alunos que desenhassem qualquer história que gostassem sobre a Bíblia. De repente a professora pega o desenho do Joãozinho e lá está um avião com quatro janelas. Em uma janela está o Deus Pai, em outra o Espírito Santo, em outra está Jesus. Na quarta janela a professora vê um homem que não reconhece e pergunta à criança: "Joãozinho, quem é esta que aqui está nesta janela, porque nas outras eu reconheci, mas nesta não sei quem é este homem. Quem é?" e o Joãozinho com a cara mais honesta e sincera, com a inocência completa: "É o Pôncio Piloto, professora!". Vejam, a partir dessa resposta, podemos desdobrar muito, ajudar a conduzir a criança, alimentar sua imaginação, ou simplesmente rir um pouco e dizer o quão errada ela está em pensar dessa forma, porque na antigüidade não havia aviões e na verdade era Pôncio Pilatos que estava na Bíblia e ele não era piloto de avião algum... Enfim. Acho que se o texto encontrar eco e ressoar em um ou dois corações me sentirei satisfeito no mundo como hoje se encontra. Agradeço quem tenha se dedicado a pensar um pouco mais e chegado até essas derradeiras letras. Por uma ducação condutora, longe da educação que cerceia e mata os mundos "para o mundo".
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Poeta do HorizonteAlguém que dos retalhos da Vida, retira olhares e sinceridades inauditas... Histórico
May 2023
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