Quando o nascimento dos escombros
não for mais figura de linguagem Mas apenas pó, terra e o concreto esfacelado Um bebê inédito e rasgado na queda Esquece sem ter conhecido a mãe riscada e soterrada Num cordão desfeito, mas pendurado, arrastado e rasgado na vertigem Um laço maior acabado e sobrevivente na novidade Como se registrasse maior e para o mundo Que a novidade frágil vai resistir Os novos olhos concretaram a luz anterior da mãe Mas o resquício do amor soterrado criou sulcos A vida, como lembrete e maior que o pó Parecia a imagem de tudo que resiste A vida além da família e de tudo que poderia ter sido A vida além mesmo da sobrevivência ainda poderia caber enigmática As imagens que enovelam corações e sentimentos Não mais difusos e que viessem a salvar a distância do sofrimento A distância de cidades estremecidas muito além também da segurança da terra Os pedaços de prédios como símbolos sem guerra Como se a lembrar os sobreviventes da iminência da destruição Sem previsão inventando horas e caminhos partidos Não era mais sobre bebês e prédios Nem sobre salvações e salvamentos de olhares empoeirados É sobre a obstinada vontade de ter nesses olhos além do rejunte Que areia, pó, cimento e lágrimas cederiam ao horizonte das câmeras É sobre dar a mão a um corpo inteiro talvez que se pergunte se está vivo ou não Pois além dos cacos e fragmentos restam corações... Corações de quem lembrou para além de tudo que esfarela Ainda há sol e noite para pisar com alguma vida... Este poema surgiu de rompante após ver a imagem de uma bebê salva no terremoto da Turquia, mas que infelizmente toda sua família, incluindo sua mãe (ainda presa pelo cordão umbilical à filha) não resistiram. Essa imagem atordoou minha alma, e não posso à distância ajudar nos resgates, mas cedi meu olhar de poesia a essas pessoas, que mostram a resistência humana para além de tudo...
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Poeta do HorizonteAlguém que dos retalhos da Vida, retira olhares e sinceridades inauditas... Histórico
May 2023
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