Aprender os arcanos
do Horizonte Como se as veias dançassem os versos do mundo Como magos de um olho só cansado À espera do perigo completamente perfeito O ungido não tem rosto digital, mas deixa com dedos Suas pegadas de Caminho avassalador Seu perigo é Ser vivo que destrona impérios Inteiros com uma palavra porque sua lavratura é além Sua lavratura escapa à Terra pois foi escavada no Céu Ressoando apenas um Homem misto de sacro e desamparo Sabe que sempre soube seu último Enigma Tem nele não apenas a esfinge transposta no seio do Meio-Dia Pois esconde nele sua magia de encantar qualquer víbora Só Ele sabe, e mesmo assim não sendo Homem Tem sua Joia mais Eterna que não reluz e é Infinita Mais rara que a Turquesa ou Esmeralda Porque essa só vê quem fecha os olhos... Nessa escuridão brilhante pulsam veias do Horizonte Onde tem meus pedaços se apagando do Caminho...
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No restauro da Noite
meus passos são outros Firmes entre crateras da Lua e alguns Jardins Tecer dentre o Infinito apenas o Caminho É uma tarefa simples de Silêncio E quando se chega por fim É um imenso símbolo invisível... Quando o nascimento dos escombros
não for mais figura de linguagem Mas apenas pó, terra e o concreto esfacelado Um bebê inédito e rasgado na queda Esquece sem ter conhecido a mãe riscada e soterrada Num cordão desfeito, mas pendurado, arrastado e rasgado na vertigem Um laço maior acabado e sobrevivente na novidade Como se registrasse maior e para o mundo Que a novidade frágil vai resistir Os novos olhos concretaram a luz anterior da mãe Mas o resquício do amor soterrado criou sulcos A vida, como lembrete e maior que o pó Parecia a imagem de tudo que resiste A vida além da família e de tudo que poderia ter sido A vida além mesmo da sobrevivência ainda poderia caber enigmática As imagens que enovelam corações e sentimentos Não mais difusos e que viessem a salvar a distância do sofrimento A distância de cidades estremecidas muito além também da segurança da terra Os pedaços de prédios como símbolos sem guerra Como se a lembrar os sobreviventes da iminência da destruição Sem previsão inventando horas e caminhos partidos Não era mais sobre bebês e prédios Nem sobre salvações e salvamentos de olhares empoeirados É sobre a obstinada vontade de ter nesses olhos além do rejunte Que areia, pó, cimento e lágrimas cederiam ao horizonte das câmeras É sobre dar a mão a um corpo inteiro talvez que se pergunte se está vivo ou não Pois além dos cacos e fragmentos restam corações... Corações de quem lembrou para além de tudo que esfarela Ainda há sol e noite para pisar com alguma vida... Este poema surgiu de rompante após ver a imagem de uma bebê salva no terremoto da Turquia, mas que infelizmente toda sua família, incluindo sua mãe (ainda presa pelo cordão umbilical à filha) não resistiram. Essa imagem atordoou minha alma, e não posso à distância ajudar nos resgates, mas cedi meu olhar de poesia a essas pessoas, que mostram a resistência humana para além de tudo... Todos os dias somos cercados de pessoas, mesmo quando sozinhos. E não de um modo metafísico ou espírita, mas nos atos e objetos mais simples do dia a dia, estamos cercados de pessoas, vivas e mortas (não espíritos, que fique novamente claro!). Peguei-me olhando com êxtase e espanto para tudo que me rodeia, e todas essas coisas foram feitas por pessoas, direta ou indiretamente, se um computador não foi feito manualmente por uma pessoa, a máquina que faz as máquinas foi...
Enfim estamos rodeados de pessoas, em nossas memórias palavras e gestos de pessoas, nunca estamos completamente sozinhos, e dessa observação nasceu o poema abaixo: Dos que fizeram a vida Para todas as pessoas que vivem em mim sem saber As que me deram a madeira já perfeita na mesa Ou o gesso que não quebrou como os namoros que passaram Ou ainda as telas que mandam outras pessoas a mais Os que fizeram os pisos que ainda não cheguei a dançar Ou as paredes que alimentam com meu próprio sol Os computadores com elétrons da mais última ciência As carcaças plásticas que exumam os dias Os que fizeram o relógio que inventa a hora de acordar Os que fizeram os papéis e os ensebaram em livros cansados Os que fizeram os enfeites não pela pequena beleza, mas a salvação Os que fizeram até a comida que me engana da morte Ou ainda e até os mortos que viveram passando palavras Como se fosse um jogo sem juiz ou regra maior Não tenho a esperteza de todos eles Mas moro tão neles que há um alívio Pois mesmo na penumbra das horas e a noite calada Tenho a cama, também feita pela inteligência de quem nunca vi E nesse extremo anonimato vestido de casa e enigma Tenho as horas todas acompanhadas Daqueles que me amam sem jamais terem me visto Sou o resquício, último e verdadeiro companheiro desse mistério Que é estar sozinho e sempre acompanhado Do maior visitante que teria de chamar de vida... Em celebração ao nascer de uma Estrela Espiritual do Ocidente, dedico esse poema à família que hoje compartilhou seu Amor!
Noite Feliz Uma noite celebra uma Estrela que andou há milênios Escavados nos Olhos a Verdade da palavra Amor Os sorrisos e olhares ainda ecoam sua última Voz Numa mesa em oração ainda faz nosso Coração E se foi filho ou Deus seu nascer foi mais que dar à Luz Porque era a própria Luz dando mãos ao Destino Mensagens enroladas no papel do carinho se confundiam Com as músicas e garfos que acendiam os rostos De vermelho o bom velhinho preso à porta Já denunciava que para entrar só no compasso do velho Amor Brindes por brilhar o além da própria Noite Em espumas de um dourado compartilhado já sabiam Escondemos sorrisos por trás das estrelas Apenas para lembrar que caminhamos essa noite Todos se encontraram mais que nas palavras O próprio encanto de compartilhar as horas inteiras sem relógio... E que o amigo não era secreto porque já estava escondido No mais fundo da Alma que chamamos Coração Como o quadro que revelou a real emoção Por abraçar as lágrimas de quem pintou uma alegria Pois o que se desenha dessa Vida É a Mão, o Ombro e o Colo de todos nossos passos Com as tintas das lembranças alimentadas na Fé Que um dia só pode ser a própria Eternidade E se hoje brilhamos reunidos em comidas de avó como família Ou amores amigos, primos, namorados, paternos, maternos, fraternos e de tias Fazem das histórias contadas não apenas causos, mas que é sobre amar e ser amado o que se diz... O verdadeiro Presente eterno dessa Noite Feliz... Epitáfio honesto e genuíno de um Poeta do Horizonte: "Nasce bobo, morre bobo" Trevas, Ilusão, Confusão. Existem verdadeiramente? Quem se confunde e se ilude ou obscurece? No exato momento que se reconhece a Ilusão, tem como estar iludido? Quando se percebe a Confusão, há como estar confuso? Nenhum desses conceitos verdadeiramente existe... A única coisa que se confunde, ilude e se perde é a Mente, a Con-Sciência jamais se perde, ela é Absoluta, aliás, é o próprio Absoluto...
A Mente cria Meta, Objetivo, Propósito. Hoje escuta-se muito que é preciso achar o Propósito da Vida, ou uma Missão... Isso gera mais confusão existencial e mais angústia, porque a pessoa que busca Propósito e uma Missão vai aos poucos percebendo que não encontra, que não tem uma definição dada pela Mente para encontrar uma Missão ou Propósito. Aí inicia-se outra Jornada, só que agora em busca do Propósito... É só mais um artifício mental, expresso na frase popular: "Você chega lá!". A linguagem dos entes que ainda não despertaram revela muito, e embora usem mecanicamente como rôbos, diz muito da essência que está sendo operada nestes entes. Por exemplo, as pessoas dizem umas das outras, com orgulho: "Esse é guerreiro! Batalhador!", mas não percebem o duplipensar como dizia Orwell, que tudo que elas pedem nas rezas, missas (aliás, detalhe, os religiosos que não são espiritualistas, crêem que ir um dia por semana e rezar em uma missa ou qualquer outro culto, é ser religioso no sentido profundo, e o resto da semana qualquer insensatez pode ser feita, porque no domingo eu rezo, como se a divindade tirasse folga das Obras Divinas um milésimo de segundo sequer! Só no Gênesis o Deus criou em seis e descansou no sétimo, e agora está onde? Enquanto a verdadeira atenção ao Divino não for em cada mínimo detalhe de todos os dias, nada será despertado...) é Paz pelo Mundo, pelas pessoas, para acabar os conflitos, mas se chama e aos demais de guerreiro e batalhador! Quem "luta pela sobrevivência", não percebe que está numa ideia da Mente e está gerando guerra no Universo, e que só de acreditar nessa postura de "luta" gera desordem no Ser... E rezar é um processo mental também, só a Con-Sciência transmuta os elementos que no Ser habitam. Esse espírito de "luta" é reconhecido pela Mãe Natureza, e ela lhe dará isso, na última Verdade não há luta, e aí Tudo passa a fluir. E o Sábio está perfeito e concluído no aqui, no agora, não tem outro lugar em Mente que possa governar e dirigir seus atos, ele sabe que a busca desenfreada pelo "lá" o fará perder o aqui, e ele está pleno e perfeito no aqui, o que precisa ser buscado que não esteja já aqui? O Tao está imerso e preenchendo qualquer canto de qualquer Universo dos múltiplos Universos, e o Sábio se tornou o Caminho, ou seja, não existe mais caminhante, ele se tornou o Caminho, as coisas vêm naturalmente a Ele, não é necessário mais correr atrás de absolutamente Nada, pois sendo o Sábio o Nada Absoluto, a Ele Tudo de todos os Universos irão retornar, e como transcendeu Vida X Morte e o próprio Tempo, não tem mais a impaciência da Mente, pois tudo vem no devido momento que sua Con-Sciência atrair com calma e serenidade. E esse "lá" que o povo fala para "conquistar seus objetivos" (detalhe, conquistar denota que a Alma está em Guerra com a Natureza e quer dominá-la, não amá-la), e sempre é um "lá" muito distante, como os outros Universos, quanto mais distante mais o Ego fica contente em "vencer", esse "lá" assume várias formas: conquistar bens; conquistar homem/mulher (como estar em guerra ou querer dominar o Sagrado Masculino ou o Sagrado Feminino?); conquistar fama; conquistar seguidores; conquistar o mundo espiritual... Enfim, não acredite que o dito "mundo espiritual" (minha grande pergunta: o que está fora do Espírito?), é só de iluminados e despertos, pois por vezes o Ego até aumenta com a frase: "Eu sou espiritualista, não ligo pra matéria", esse é o máximo do Ego, um dos mais difíceis de dissolver, e nada espiritualista, pois todo verdadeiro espiritualista sabe que não existe Matéria X Espírito. Verdadeiramente vence aquele que nem quer vencer e largou qualquer disputa, seja disputa consigo, com Universo, com a Natureza, com Tudo em suma, pois ele também sabe que Tudo que existe é ele, ele é o Tao, e que se um único átomo nos confins do Cosmos fosse diferente ou estivesse em outro lugar, ele seria diferente, pois absolutamente tudo está interligado... A Mente portanto cria um Eldorado (ilusão da separatividade) muito distante, mas é um truque para ludibriar a atenção do Agora. Aliás, o Sábio percebe que nem Agora existe, tudo é relativo à oscilação de sua Con-Sciência, e com atenção, Energia e foco pode acessar o Akasha e seus registros. E a distância que a Mente cria para alcançar o Supremo (está em todos os cantos de qualquer lugar, não precisa sair de onde se está pela Suprema Divindade), exigirá um esforço tremendo, e a Mãe Natureza age sem esforço, o wei wu wei taoísta, a ação pela não-ação. O que significa isso? Qual o esforço de um Rio ser Rio? Qual esforço há em uma árvore dando um fruto? Ou uma Flor? Demorou bilhões de anos para conformar um Universo dessa forma, por que a Mente quer agora algo que ela julga a Felicidade fora deste instante? A Mente apressada irá ter de fazer o corpo esforçar-se para conseguir o que tanto quer, ou seja, precisará de Energia em demasia. A Natureza age gastando sempre a menor quantidade de Energia possível, e por isso naturalmente vai assumindo formas diferentes e novos padrões. Um Rio é a insistência paciente da água escavando a Terra. E o Ego perdido em sua ilusão, perde chances e oportunidades, porque querendo cumprir um caminho imaginário e não o Caminho, "perde" (na Verdade e no Universo, nada se perde) chances e surpresas. Imagine que um homem almeja por uma mulher com certas características para ser parceira de sua Jornada. Porém na ânsia de sermos sempre os mais rápidos, em uma viagem podendo escolher entre ônibus ou avião o mundo moderno preferirá o avião, "economiza tempo" (ainda não descobri como se faz essa conta de economia se o tempo sequer existe... Ilusões humanas...), mas a parceira que ele tanto sonha estaria na parada do ônibus e ele escolheu avião, porque é "mais rápido". Mas em verdade, sempre escolhemos o que a Energia precisa, mesmo com o pequeno Ego... E o caminho mais curto não é o mais fácil necessariamente. Um Rio "aumenta" em vários quilômetros sua descida só para ter uma descida mais fácil, senão seria uma linha reta da Fonte ao Oceano, e assim ultrapassa barreiras de dificuldade contornando o que torna seu Caminho sinuoso, mas fácil, simples, elegante. E como o Sábio já chegou de onde nunca saiu (porque na Verdade, ninguém sai, o Ego é uma neblina, não a perda divina), ele está paciente e aceita "aumentar" seu Caminho e descobrir tudo a seu momento de Con-Sciência. Uma semente não nasce em um dia, mesmo que nos esforcemos muito com químicas e transgênicos, ainda assim há um tempo daquele código na semente desabrochar, e a vida moderna, como diz o popular "quer para ontem", sem perceber o real "porquê" de haver este "tempo". O Rio não é reto para o Oceano. A Mente retificadora de tudo, acha que o "objetivo" do Rio é atingir o Oceano, mas e se ele formar um lago e não desaguar no Oceano? Deu "errado"? Nunca, pois a Natureza fez um lago, e nenhum problema há no lago existir. A Mente diz: "Mas não chegou no Oceano!", e um Sábio diz: "Ainda não, mas pode chegar ainda nessa nossa vida... Basta a água do lago sublimar, o vento levar essas gotículas para a costa e lá chover... O lago também chega ao Oceano... Em Verdade Tudo chega em tudo no seu devido momento. Se não chegou, ainda não é o momento...". Não há nenhum objetivo no Tao, na Verdade, na Iluminação, e isso é desolador para a Mente que ainda quer "chegar lá". Só quem quer "chegar" aqui, e na Verdade nem é "chegar", mas descobrir, ou seja, tirar a cobertura da Ilusão, do véu de Maya... Um Sábio se tornou o Zero Absoluto, Tudo passa por ele, mas nada É ele... O Sábio sabe de Tudo sem conhecer nada, pois o conhecimento é ilusório, conhecimento não É a Verdade Absoluta. Dissolvendo o conhecimento, sabe-se e faz-se presente a dama mais desformosa (por não ter forma) de todos os diversos Cosmos: Verdade... E só esta dama liberta... Que o Tao clarifique os pequenos caminhos para os dissolver no Zero Absoluto. O Amor de Poeta É:
a luz molhando o fundo do lago, a folha sem caminho que prefere o chão, um príncipe de coração embaralhado, borboletas que convidam para seu sonho, uma piada sem graça no meio da noite, mas também a noite sem graça no meio da piada, um livro abandonado sem dó, as pedras que alimentam um rio, uma mancha em um poema rasgado, anjos de pedra sem olho, a voz perto de um destino, fotos no armário de um rosto antigo, a vasta amplidão que chamaram Vida, a nuvem que se despede sem medo, o descanso do relógio perdido, a ponta dos pés de uma menina que esqueceu dançar, um problema inesperado que não espera solução, o vento imenso e sem uso, a busca que me perdeu, a flor que planta seu mundo, a pausa que não interrompe o infinito, o esconderijo de um gafanhoto, um menino inteiro sem promessas, o sangue de uma vida inteira, o barco maior que a navegação, o gosto de um sorvete de interior, a calçada mal planejada por horas, a janela que não aguenta despedidas, o carteiro que reconhece a vizinha, a fritura na casa de um desconhecido, o amor completo abraçado sem ser alguém, o que se dá todo dia e é invisível, um encontro perfeito em que nada foi dito, o desconto numa loja de quinquilharias, o ritmo sincero das estações, um carro de vida que invadiu a contramão, o pedido calmo mas sem volta, o casal perfeito que nunca mais se vê, a autoridade de um dono de bar, informar-se no jornal das estrelas, querer o dia depois do dia, a constatação que os anos não lavaram a alma, o dinheiro que o amor não trouxe, o sussurro autêntico perto da madrugada, a bola no campo sem ninguém, a palavra perdida na multidão, o espelho que reflete só outros dias, a carta repleta extraviada, a licença do mundo para quem acorda, a língua que se desconhece, o sucesso de quem descobriu um jardim, a lição de quem desaprendeu, todas as dúvidas sem escola, a gincana de ganhar perdendo, a sirene que desperta um funcionário dormindo, o gesto de uma idosa que está sem óculos, a disposição tremenda de quem vive pra nascer, a falta de perguntas para quem tem respostas, a casa que se esqueceu de morar, a semente que amanhece a terra, a gratidão pelo que o poema não disse e que justamente é aquilo tudo que disse... Assim É o Amor de Poeta, de um místico, de um saltimbanco, de um lunático, de um idiota, que ama sem saber, mas que sabe por amar... Gostamos muito das coisas que funcionam. Natural... É natural? Se assim for, o prazer e deleite com coisas que não funcionam tem de ser anti-natural, mas o estranho desse começo de divagação é que damos mais valor a coisas que aparentemente não funcionam, sendo o máximo do seu exemplo o Amor. Como funciona o Amor? Não funciona, porque não tem função alguma, ele é o esbanjar da própria Existência, da Vida, e assim é o prover da sua imensidão em um completo "desperdício" e até que sinta que deu tudo de si, continuará dando. Qual a função? Nenhuma, e se pensar em uma lógica de coisas que funcionam, o Amor é uma disfunção... As paixões humanas também, qual sua função? Também se prestam mais a uma disfunção... Por que um pintor se propõe a pintar um quadro mesmo sabendo que talvez não venda? Enfim, tudo isso para mostrar que as coisas funcionarem é um aprendizado, e nem um pouco "natural", e que a naturalização de que as coisas devem funcionar vem de uma lógica funcional, de uma filosofia utilitária do Mundo. E mesmo em áreas que aparentemente se resguardariam de "funcionarem", são medidas em termos de máquinas e coisas, como quando se diz: "Meu namoro não funciona mais", "Minha vida não funciona", "Minhas ideias não funcionam". Ou seja, há uma ideia subjacente nessas três frases de precisar alcançar um objetivo, e portanto se relacionar exige que algo seja alcançado, senão não funciona, a mesma coisa com a Vida, e para a Vida nenhum objetivo é posto por ela, ou seja, a Vida independe de qualquer objetivo, por isso como pode funcionar ou não funcionar a Vida? As ideias só podem funcionar com uma meta, se é preciso chegar a algo, e portanto a operação básica de torcer, distorcer, romper, criar ideias será para atingir um fim determinado, mas a ideia também nem funciona nem não funciona, ela entra nessa classificação porque precisa se adequar a um fim. E aqui, neste último exemplo é que começam os pesadelos e o ranger de dentes. Por quê? Como disse antes, naturalizamos o tratar tudo como coisa e como função, e portanto, precisam funcionar. Mas em que isso gera pesadelo e ranger de dentes? Se o homem ele mesmo, desde a mais tenra infância se põe a ser "deformado" (embora os adultos digam que estão "formando" alguém, e aqui a simbologia é clara, estão nesta pretensa "educação" pondo as crianças em fôrmas, e aí elas terão inevitavelmente de se adequar à forma) ou seja, ao invés da sua forma crescer naturalmente, elas são postas em fôrmas que possam a tornar utilizável e funcional para a vida, mercado, sociedade, igreja e tudo o mais. Se colocarmos sobre animais modos de direcionar seu crescimento, isso tem um preço fisiológico para o animal, e para o homem não é diferente, embora possa ser mais sutil. Queremos que os filhos se tornem adequados e funcionem bem na sociedade, mas da mesma forma tem um custo. Muitas pessoas perfeitamente ajustadas e funcionando bem na sociedade começam a sentir, umas mais cedo outras mais tarde, que apesar de estarem completamente ajustadas, algo nelas está desajustado e de certa forma "não funcionando". Mas a pergunta logo vem: "Está tudo funcionando em minha vida, casa, carro, filhos, comida, tudo certo, porém por que de alguma forma sinto que não está funcionando?", e a resposta é simples, porque funcionar não é toda a esfera onde vive um homem, e que ele foi amestrado, domado, domesticado para acreditar só naquilo que funciona, até a Vida render TUDO que funciona a ela, e logo perceber que há algo muito forte em si que está para além das coisas que funcionam, e aí se não houver estrutura para suportar que nem tudo deve e tem que funcionar, surge na pessoa uma disfunção, e é como uma falha ou um defeito que aparentemente é pequeno, mas como se trata de um "aparelho de precisão minuciosa", um pequeno defeito desregula absolutamente tudo! Por exemplo, uma falha mesmo que minúscula em um processador de computador, ou um relógio de precisão, a falha pode ser pequena, mas as consequências gigantes, e da mesma forma com a pobre pessoa que está começando a perceber e viver a disfunção, e pode ser uma disfunção de angústia leve à um transtorno mental grave, tudo porque ela não percebeu a dimensão para além do que funciona. Mas aqueles que não são funcionais, ou melhor, disfuncionais para o "aparelho" social, não estão em uma posição melhor, porque eles não se "encaixam" no sistema, e queriam se encaixar, serem aceitos, participarem da engrenagem que mói a todos. Qual a solução? Não ter problemas... Parece ironia, porém se trata de transcender os problemas, as funções e as disfunções. É possível? Sim... Começar a habitar o Ser que já se é, um lugar onde tudo se desfaz e nasce a Eternidade sem tempo... Enfim, não nascemos para funcionar ou "disfuncionar", mas para Ser imensamente com a grande alegria de viver.
Um jovem vai a um senhor e diz:
- Quero ser sábio... - E por que vem a mim? - diz o senhor meio desconfiado. - Todos dizem que você é um homem muito sábio. Quero ser sábio... - E por que quer ser sábio? - Sonho em minha mente todos os dias com isso... - Mas não disse o porquê... - Acho que assim terei uma vida boa... - Trata-se apenas disso, uma vida boa? - Não, ser inteligente também... - Ser inteligente? Um sábio é inteligente? - Não sei... Acho que sim... - E por que ser sábio? Não basta ser? - Acho que não entendi... - Qual a diferença entre ser um atleta, ser um professor e ser um comerciante? - Não sei... - Cada um precisa cumprir um papel para ser adequado, e que é seu, dentro de uma imagem que se tem dele. O comerciante precisa vender coisas, o professor ensinar algo, e o atleta praticar algum esporte. Se a imagem trocar, ele não será mais, independente da palavra que se diz dele, por exemplo, se o comerciante começar a praticar esporte e largar o mercado, não será mais comerciante. Porém tudo isso muda com o sábio, porque nenhuma palavra se atém ao verdadeiro Sábio, porque não há uma imagem que se ligue ao sábio, ele na Verdade não é Nada. Ele transita no Mundo sem ser dele, e qualquer imagem que possam ter do sábio, pode ser quebrada, porque o verdadeiro Sábio não tem nenhuma imagem de si mesmo para agir, nenhuma imagem contém o sábio, e ele apenas É. Por isso, não há muito que possa lhe ensinar... E estaria disposto a ser Ninguém? - Como assim? Acho que não entendi de novo... - As pessoas estão a maior parte empenhadas em ser alguém, um empresário, um pai de família, um cientista, ou qualquer imagem que as pessoas estejam buscando para si. O verdadeiro Sábio é muito ao contrário, ele É um completo Ninguém, não é uma pessoa, ele é apenas a Consciência, não é uma pessoa, É apenas o andamento da Natureza, uma expressão dela, como uma Flor. A Flor não está em busca de ser outra coisa, ela apenas É, não quer se tornar alguma coisa, ela apenas está em seu estado mais natural e perfeito, sem guerra, e até sem paz, mas uma imensa quietude, um Silêncio avassalador, que quem contempla e entra em seu Coração, se torna o próprio Nada, e dele não pode falar qualquer palavra, porque como diz Lao Tsé, o Tao é inominável, nada dele pode ser expresso... Então, ser sábio é sumir e ser um Nada, está disposto a ser um Nada? Não acho que seja a imagem que tem de sábio... - Não sei, estou confuso. Achei que ser sábio era saber das coisas também... - O que menos um sábio sabe é saber no sentido de conhecer. Ele sabe a imensidão da sua ignorância, e por isso aceita o Mundo, mesmo não sendo dele. O que ele sabe não pode ser traduzido em palavras, e ele só pode agradecer de ter vislumbrado esse imenso Deserto que Tudo permite. Na Verdade o Sábio sabe muito pouca coisa, e não tem vergonha de saber pouco, porque sua simplicidade o habilita a sentir que o suficiente é o melhor, em tudo, inclusive no seu saber. Ele não está em busca, por isso menos é mais... Será que ainda se habilita? - Vou pensar... - disse o jovem um pouco entristecido, não era o que esperava. - Não pense muito, ficará sem saída e ainda perderá sua chance de ser sábio. O sábio não pensa muito, só o suficiente para não pensar. Então, pense, mas mais que isso, sinta, e se seu sentimento for de que quer isso a qualquer custo, volte que destruirei todas suas ideias, porque uma outra arte do sábio é desaprender mais a cada dia ao invés de aprender... Seu olhar é sempre novo, nunca envelhecido pelo conhecimento e julgamento, porque olhar uma árvore e só pensar "uma árvore" é perder a verdadeira árvore que está em sua frente, e o sábio aprecia a eterna novidade de tudo que existe. Então não ache que vai aprender coisas, pelo contrário, vai desaprender tudo que entulharam em sua cabeça... Vai parecer um tolo para os padrões das pessoas, mas como o sábio não se importa com as imagens criadas, ele continua sendo "tolo" e desfrutando de seu desaprender. Venha se quiser, mas perderá Tudo para ganhar o Infinito. - Vou indo, tchau. - Tchau, e como não voltará, ao menos aprecie este momento - e apontou para um ninho de pássaros que se instalara em uma belíssima árvore com flores lindas que o jovem não havia notado. - Lindo! - Sim... - Como viu isto se está tão escondido? - Os detalhes são essenciais, com o tempo você se aperfeiçoa em se atentar neles... - E por quê disse que não voltarei, estou indo agora, mas vou pensar... - Então pense, mas cuidado, pois tudo passa. - Tchau! - Até mais ver. E assim os sábios de todos os tempos vêem os jovens em possível fuga... |
Poeta do HorizonteAlguém que dos retalhos da Vida, retira olhares e sinceridades inauditas... Histórico
May 2023
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