Um jovem vai a um senhor e diz:
- Quero ser sábio... - E por que vem a mim? - diz o senhor meio desconfiado. - Todos dizem que você é um homem muito sábio. Quero ser sábio... - E por que quer ser sábio? - Sonho em minha mente todos os dias com isso... - Mas não disse o porquê... - Acho que assim terei uma vida boa... - Trata-se apenas disso, uma vida boa? - Não, ser inteligente também... - Ser inteligente? Um sábio é inteligente? - Não sei... Acho que sim... - E por que ser sábio? Não basta ser? - Acho que não entendi... - Qual a diferença entre ser um atleta, ser um professor e ser um comerciante? - Não sei... - Cada um precisa cumprir um papel para ser adequado, e que é seu, dentro de uma imagem que se tem dele. O comerciante precisa vender coisas, o professor ensinar algo, e o atleta praticar algum esporte. Se a imagem trocar, ele não será mais, independente da palavra que se diz dele, por exemplo, se o comerciante começar a praticar esporte e largar o mercado, não será mais comerciante. Porém tudo isso muda com o sábio, porque nenhuma palavra se atém ao verdadeiro Sábio, porque não há uma imagem que se ligue ao sábio, ele na Verdade não é Nada. Ele transita no Mundo sem ser dele, e qualquer imagem que possam ter do sábio, pode ser quebrada, porque o verdadeiro Sábio não tem nenhuma imagem de si mesmo para agir, nenhuma imagem contém o sábio, e ele apenas É. Por isso, não há muito que possa lhe ensinar... E estaria disposto a ser Ninguém? - Como assim? Acho que não entendi de novo... - As pessoas estão a maior parte empenhadas em ser alguém, um empresário, um pai de família, um cientista, ou qualquer imagem que as pessoas estejam buscando para si. O verdadeiro Sábio é muito ao contrário, ele É um completo Ninguém, não é uma pessoa, ele é apenas a Consciência, não é uma pessoa, É apenas o andamento da Natureza, uma expressão dela, como uma Flor. A Flor não está em busca de ser outra coisa, ela apenas É, não quer se tornar alguma coisa, ela apenas está em seu estado mais natural e perfeito, sem guerra, e até sem paz, mas uma imensa quietude, um Silêncio avassalador, que quem contempla e entra em seu Coração, se torna o próprio Nada, e dele não pode falar qualquer palavra, porque como diz Lao Tsé, o Tao é inominável, nada dele pode ser expresso... Então, ser sábio é sumir e ser um Nada, está disposto a ser um Nada? Não acho que seja a imagem que tem de sábio... - Não sei, estou confuso. Achei que ser sábio era saber das coisas também... - O que menos um sábio sabe é saber no sentido de conhecer. Ele sabe a imensidão da sua ignorância, e por isso aceita o Mundo, mesmo não sendo dele. O que ele sabe não pode ser traduzido em palavras, e ele só pode agradecer de ter vislumbrado esse imenso Deserto que Tudo permite. Na Verdade o Sábio sabe muito pouca coisa, e não tem vergonha de saber pouco, porque sua simplicidade o habilita a sentir que o suficiente é o melhor, em tudo, inclusive no seu saber. Ele não está em busca, por isso menos é mais... Será que ainda se habilita? - Vou pensar... - disse o jovem um pouco entristecido, não era o que esperava. - Não pense muito, ficará sem saída e ainda perderá sua chance de ser sábio. O sábio não pensa muito, só o suficiente para não pensar. Então, pense, mas mais que isso, sinta, e se seu sentimento for de que quer isso a qualquer custo, volte que destruirei todas suas ideias, porque uma outra arte do sábio é desaprender mais a cada dia ao invés de aprender... Seu olhar é sempre novo, nunca envelhecido pelo conhecimento e julgamento, porque olhar uma árvore e só pensar "uma árvore" é perder a verdadeira árvore que está em sua frente, e o sábio aprecia a eterna novidade de tudo que existe. Então não ache que vai aprender coisas, pelo contrário, vai desaprender tudo que entulharam em sua cabeça... Vai parecer um tolo para os padrões das pessoas, mas como o sábio não se importa com as imagens criadas, ele continua sendo "tolo" e desfrutando de seu desaprender. Venha se quiser, mas perderá Tudo para ganhar o Infinito. - Vou indo, tchau. - Tchau, e como não voltará, ao menos aprecie este momento - e apontou para um ninho de pássaros que se instalara em uma belíssima árvore com flores lindas que o jovem não havia notado. - Lindo! - Sim... - Como viu isto se está tão escondido? - Os detalhes são essenciais, com o tempo você se aperfeiçoa em se atentar neles... - E por quê disse que não voltarei, estou indo agora, mas vou pensar... - Então pense, mas cuidado, pois tudo passa. - Tchau! - Até mais ver. E assim os sábios de todos os tempos vêem os jovens em possível fuga...
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Quando a Noite fica menor que o Peito, e o Cor-Ação se expande ao Infinito, um desfile invisível se apresenta, como o início da Morte, eterno, que contempla todos os Jardins, que sequer chegam ao tamanho da Flor em sua magnânima vertigem de respeitar cada Instante até o seu mais profundo e belo enigma de dar imensamente aquilo que é, por uma temporada ou alguns dias, sem no Jamais se atrasar nos propósitos do Mestre Jardineiro que a Tudo rega e também em seu potencial sequer pergunta pela Existência, afinal, que pergunta estúpida, todos sabem sem palavra última o que deve ser respeitado... Alguns desatentos pisaram no Sagrado e quebraram a Flor, mas Tudo que permanece recompensa e cobra a dívida insensível do maior Mistério. Quem nasceria sem a Vergonha do Entendimento? Ou pisaria com a graça do outro nascimento? Quem carrega a Pedra derradeira? Quantos ainda falarão sem a Voz do Infinito? Tudo contempla o verdadeiro, até os perdidos entre roupas e espelhos, porque o Espelho Maior, que tem por Nome "Vida", ainda celebra o que os homens resmungam como "acaso", esquecendo do seu pedido por uma bruta Verdade, que irrompe e até interrompe o Dia... Há trabalho e fadiga ainda, muita loucura e incompreensão. Dois laços de Destino invertem os passos daqueles que ouvem o Chamado. Nada fica perdido. Ainda há Luz e dois quartos que esperam dormir antes da Última Morte. Nada disso seria capaz... Disseram, quase aos gritos, que era o Poema de um Horizonte investido de alguma alcunha que não decifraram, e sempre surge a pergunta: "Quem decifrou o Amor?". Vi o desfile inteiro de todos que me deram as Mãos, os que não deram, os que fingiram dar, os que fingiram não dar, e em nenhum consegui menos ou mais que a Máscara, apenas o seu Limite de dissolução, cada qual no grão que podiam remeter a Ele, apenas a Ele, no Jamais a grandeza de Sua Face, escondida sabiamente nos corpos alucinados e perdidos, como meu Oceano procurando a sua Gota, sua Única Gota que pudesse realmente dizer qual era o tamanho do Infinito, mas aí seria a maior blasfêmia do Tempo, a contemplar sua dissolução no grão de quem sorriu o Amor, perdendo Noites, Dias, Memórias, supostos amores, dedos entrelaçados, a Flor que cultivou o Homem... Porque no Fim é a Flor que cultiva o Homem, no Fim é a Luz que se acende de Homem para vestir o Mundo, e isso seria menos que a Areia de uma Praia ao fim da Tarde, nem Deus conceberia algo assim que despertasse sua mais profunda tristeza, afinal, a Flor ainda tem sua beleza, mas como suporta perder os Olhos e Ouvidos que ainda não descansaram? Quem, se isso é possível, realmente nasceu no Horizonte? O Poeta? Esse não é seu Caminho... Seu Destino é mais Andarilho que Ele. Até Deus se perde em seus passos, e por vezes nem tem Vergonha de esconder sua Vertigem e até se assusta: "Poeta, por que anda por aí? Ninguém o acompanha, vejo suas dores e me consterno... Alguns lhe dão as Mãos, mas não sabem Onde pisam, e mesmo assim continua, por quê? Eu mesmo estou intrigado, o que quer disso Tudo? O que quer de Mim? Pergunto já que nunca me perguntou o que Eu quero de você, e até sinto que não é arrogância... Pela primeira vez, estou perdido... Dê-me uma resposta! O que ganhou? Pela primeira vez vejo que não ganhou e sequer se importou... Até chegou a perder muito... O que direi de você quando algo tiver de ser dito?", e tive que responder: "Não diga Nada... e se mesmo assim for preciso dizer algo, diga que meus passos foram maiores que o Horizonte, e que resolvi caminhar por outro Onde, e que ali sequer os deuses resolveram seguir porque havia muita dúvida, que ali a Fruta do Desconhecido é que engolia os viajantes, que ali o Oceano é muito menor que minha Gota, diga também, se tiver palavras, que ali não frutificam palavras, mas muitos desentendimentos à procura do Amor, diga que ali a Treva que se acende no Jamais apaga uma Luz, diga que ali dois passos para o Leste são três parados, diga que ali ninguém pode pousar, só a Mão perfeita com a última Flor... Você que criou todas as leis não previu que alguém escaparia delas? E que os outros não tenham compreendido, isso causou dores que você viu e as sentiu, mas que agora o Reino que habito é todo invertido? Que me importou essa Coragem? Hoje devastei o Império da Vida com a mesma Força que o Império da Morte, e como deixarei alguém invadir a minha Gota? Mesmo que Você desse o Oceano inteiro, ainda haveria uma navegação perdida, enquanto em minha Gota se suporta Tudo que ousou existir, e nesta trilha nem o último Rosto quis entrar, e se O confundi, foi porque imaginou leis perfeitas, mas até para uma Flor há uma Lei muito maior... Nisso eu resolvi caminhar, até perder as pernas, aí ninguém quis verdadeiramente acompanhar, porque seria preciso uma Força maior que a Divina para sustentar o Infinito. Sempre é preciso criar o Infinito, no caso de Você ter esquecido... E quem tem essa Força?", "E por quê? Não lhe dei essa tarefa... Falei tanto sobre a Lei do Amor... O que foi Tudo isso? Sua oportunidade... Não compreendo...", "Bom, nenhum Homem verdadeiramente O compreende, então por que iria Você compreender a mim? Resolvi abraçar a Única Porta sem maçaneta... Por que estaria preocupado com oportunidade? Foi dada alguma depois do Seu Mistério? O Vento e a Maré desmancham a Praia, e até os riscos... Não nasci com uma breve História, mas com o Infinito para me perder, e isso O assusta, por isso esconde-se a cada passo, descobri-Lo é deixar o Infinito maior... Nasci com vários ontens para retroceder... Não diga que não compreende, mas se um Dia houver palavra, diga que admirou como seu mais imperfeito e vivo Espelho, que até vislumbrou outras Eras, alguns seres que sorriram e choraram, com e sem Virtude, para que me instalasse do lado perdido do Horizonte como o Poeta das Janelas impossíveis, e que ali não é possível ser habitante, apenas um desabitante exilado de um único limite, que é a margem onde nunca nasceu a Vida... Diga que no Nunca me viu! Diga que seu vislumbre ecoou para além do longe, e até para Além do Além, onde nenhum dicionário alcança. Se puder esconda minha Existência para além da estupidez de existir! Não diga Nada, porque mesmo Você jamais alcançará a mim... Um grande sufi disse que Deus é que queria o conhecer, mas no meu caso Você fugirá, porque o tamanho do Abismo o amedrontará, e aí será minha Salvação, quando Tudo for menos que Tudo e serei eu Sua última porta de entrada... Nesse Instante haverá menos que Nada, e todo Enigma será Sua confluência... Isso não O assusta?", "Você, Poeta do Horizonte, é meu maior susto... Ainda não sei o que é de ti...", "Não saiba, e aí saberá...". Deus se desconcerta com algumas conversas, mas nesta Ele se perdeu, e os poucos homens que O viram disseram que seu paradeiro é mais incerto que o meu... Talvez por isso o Tempo esteja tão descontente, como ele irá embalar àqueles que sofrem em seus ponteiros? Outro dia nasci sem Janelas, hoje acordei no Horizonte. Disseram que isso era o Império, mas como perdi o Imperador, acabei vagando como Olhos de uma Manhã sem Morada. Para morar é preciso caber, mas meu Peito é maior que a Amplidão e isso nublou Deus e seu Caminho, porque no fundo a sacralidade está em quem perdeu seu quem e caminha sem Vida ou Morte, Rosto maior do Espelho fingido, e só assim se cultiva jardins, sem flores... Um Peito como esse é uma Lei sem Limite, o esconderijo de tudo que some, uma Noite devagar, os amantes para além dos beijos, e até a Morte sem nascimento, bem antes de toda possibilidade... Disse com Força: "Empunha teu Destino como a última Flor de Deus...", mas quando despertei sem Caminho, a Flor estava sem Deus, e o Destino sem mim. Como faria disso a grafia vital da Vida? Se fosse possível uma Biografia, ao escrevê-la o Fogo da Vida apagaria cada letra e só sobraria o Deserto do Infinito para contemplar as cinzas do Impossível. Toda Vida é o Mistério do Impossível. E todos os olhos que me cruzaram, me perderam, porque olharam a fagulha, nunca a Origem. Vi olhos de namorada, vi olhos de amigo, vi olhos de colegas, vi olhos de inimigo, vi olhos de pais, vi olhos de irmão, e todos escorreram pelo canto errado, como se houvesse existido... Mas o que eu diria da minha Mão, como se fosse possível a Eternidade? E a sinceridade? Quantas guerras não travei com o próprio Amor, para que me deixasse dizer uma única verdadeira palavra? Tudo nublado... Mesmo assim tinham olhos participantes do Barco Vazio... Quem navegou não O sentiu, quem O sentiu não navegou... Ficaram entre dois eclipses. Ninguém nasce que não perca o brilho da Lembrança... São outros momentos. Investem como se acreditassem, mesmo não havendo nada para espalhar. É como se fosse firme. Escondem Deus como se fosse certo... Mas um Dia se atrapalham, e de assalto vem uma Força tão assustadora, que só de estar vivo cresce o espanto. Quem nasce do lado secreto da Vida? O despreparo é tão grande para o Olhar, que só a Floresta inventa outra viagem. Chamam as chamas de um relâmpago, mesmo assim não é o Peito. Chamam a Noite. Chamam o noivo, o pai, o amante... E nada ainda chega que seja o resquício do que também chamam "Verdade". Nada tem Seu semblante. Qualquer ritual clama, qualquer voz evoca, qualquer som se perde, e ainda sobram vertigens e moradas... Há morada? Uma ou duas, talvez... Mas onde socorre a fragilidade da Força mais bruta do Infinito? Qual será o eco mais distante que não cabe em um Poema? Um Dia, quando tiver nevado longe do meu Caminho, e nada mais for Poesia, ali haverá minha Verdade... Sem palavra, sem dono, sem...
Todos perdem o Caminho um dia. Como não perderiam sendo Viajantes? Não é no Sempre que a Viagem é perfeita... "What you seek, is seeking you...", eu ouvi certa vez de um Grande Poeta. E o que Você está buscando que Hoje acende e explode seus Olhos? Onde Você aceita o Infinito? E se para isso relacionamentos se quebrarem? Rostos se tornarem amargos? Humilhação? Até onde seu brilho vai seguir a sua Luz? Todos perdem o Caminho um dia... Se não perdessem, como saberiam Dele? Dizem que o peixe não sabe que está na Água, como o Homem não vê o Caminho. Mas retire o peixe da Água, e seu instinto mais lúcido e primitivo o fará se debater até que a Água seja conquistada novamente, e aí ela terá um novo sabor, e uma nova compreensão, a Água será totalmente diversa do que no Sempre tinha sido. Algo mudou. Diz-se que um Buscador foi até um Sábio e perguntou: "Como conquisto Sabedoria?", e o Sábio perguntou: "Quanto Você A quer?", e o Buscador não hesitou: "Mais que Tudo!", e o Sábio que estava perto de um Lago, chamou o Buscador com um gesto, e este ao chegar perto teve a cabeça imersa no Lago, começou a se debater para voltar a respirar, porém o Sábio era forte e o segurou por mais um tempo. Quando soltou a cabeça e o Buscador estava esbaforido retomando o fôlego, disse: "Você quer a Sabedoria como quis Ar embaixo da Água? No dia que quiser tanto a Sabedoria quanto quis Ar, não precisará de ninguém, nem de mim. E será que está disposto a enfrentar o Inferno por isso? Você perderia relacionamentos nesta Busca? Quanto de dor e sofrimento está disposto a suportar até a sua Libertação Final? E a Família? Você tem Família? E se for preciso perder Tudo que julga Hoje valorizar para ganhar algo que apenas poucos Homens alcançaram? E os sonhos de casa, conforto, estabilidade? E até o Sonho de conquistar Sabedoria? E se for necessário perder TUDO? E se até o Ar que buscou agora pouco em sua agonia for pouco diante de Tudo que quer abraçar? Você sabe o preço do Desconhecido? E do Infinito? Quando souber entenderá porque poucos na Humanidade chegaram até o Fim e Libertação Completa... Estará disposto a enfrentar a Morte frente à frente e sorrir para ela? E o que os Homens julgam Amor? A dor de perder um Amor maternal, por exemplo? Ou ver toda a Compaixão expressa no olhar de um cachorro perdido? E a Morte de um filho? Quanto de tudo isso suportaria pela sua Busca? Ou ser considerado louco e ser preso por isso? Ou ser ridicularizado frente ao Mundo, ser considerado Pária, achar que não merece Amor, descobrir com mais dor ainda que todos os relacionamentos que teve até hoje foram apenas algo para o seu desentendimento e confusão, e quase perda e fuga da Verdadeira Busca? Mesmo aqueles rostos lindos foram na Verdade "demônios" para o extraviar do Caminho? Isso dói amargamente... Está disposto? Será que está realmente disposto? Se não estiver, nada posso fazer por você, saiba disso..."
Depois de todas as perdas, algo essencial muda. Há um adágio Zen que assim diz: "Antes da Iluminação eu pegava Água no poço e cortava lenha, depois Dela eu pego Água no poço e corto lenha...". Quase todos buscam nos relacionamentos, casas maiores, novos status sociais, sem perceberem a grandiosidade da Jóia Invisível, e quando se aproximam de um Cristo, de um Buda, correm o mais rápido possível, porque toda a estrutura mental criada tende a colapsar, Tudo perde sentido, e é assustador perceber que um carro novo, um novo namorado, um apartamento mobiliado não significa nada para esse Sábio... Como pode Ser assim? Cristo assusta, mesmo assim, porque tendo visto um Cristo, um Buda, um Mahavira, um Rumi, e sabendo que eles existem, mesmo que fujam, só a constatação de que existem, isso perturba, e a Vida jamais é a mesma. Eles retiram todos ao seu redor da sua "Água", como peixinhos sem saber o que está acontecendo, e agora, conviver com isso será perturbador. Mas sempre há Outra Vida (várias encarnações podem ser necessárias) para os preguiçosos espirituais, e Deus não está com pressa (até porque, não existe Tempo...). Aos Buscadores dou um Poema do Horizonte, lembrando que este Sábado "Shakyonte" será recebido em um Portal de Luz (LINK), dando as Portas para o Infinito. Fica o Poema por um Novo Horizonte: No Comércio dos Mendigos da Emoção Ser Imperador é triste por vezes Pela solitária atração que se torna Compaixão... O texto a seguir foi publicado no Blog "Enlaces Literários" em que a proposta do blog é escrever utilizando algo do elemento do texto do escritor anterior. O link da postagem vai abaixo:
https://enlacesliterarios.wordpress.com/2017/01/13/o-escuro-da-alma/ TEXTO NA ÍNTEGRA: Ontem velocidades impossíveis resolveram acessar meu caminho. Parecia minha mente, mas me confundi com um outro Deserto… Ainda sei o quanto posso passar entre pessoas sem ser visto, porque no fundo, é irrelevante nossa passagem, apenas um vento dentro de uma praia imensa, ou o rosto de um carvoeiro descendo imensidões. Nunca coube nesse Destino. Era o que podia dizer de mim mesmo, algumas vezes. Não que de verdade as palavras pudessem sentir a vertigem da Alma em fuga, ou de suas rotas mais obscuras, ainda há uma miséria para dizer nossos olhos, e isso poucos querem olhar com paciência em si mesmos. Eu fui um que resolveu olhar… Claro, há seu merecimento e sua loucura mais primitiva, como um ancião sem sabedoria na tribo mais distante. Quem olhou com carinho para o recanto deste Deserto, a que chamamos Alma, preferiu dar a algum Guardião, ou Anjo perdido na brisa do Destino. Eu resolvi olhar como a mim mesmo. Como pertencente do meu mais obscuro e glorioso. Como se o Anjo fosse a mim o meu maior Guardião das Lembranças. Como alguém poderia me roubar se eu mesmo sou o Guardião da Eternidade? Isso é o que muitos esquecem olhando para fora, buscando senhores, anjos e lunáticos que possam romper a frágil fagulha do que estão vivendo. Nisso não posso ceder. Ou retroceder. Dou a mim mesmo essa força absurda de querer vasculhar um caminho, ainda que podre, ainda que virgem e nunca visitado por uma Consciência. Dou a esse empenho minhas palavras mais escondidas. Dou a essa tarefa as horas que sequer tenho nessa Existência. Sou assim, dado a esclarecimentos. Muitas se declaram com os olhos pela poesia que devasta, outras pelo senso de humor, outras pela candura. Nunca vi uma que se rendesse à Alma. A esta dedicaria até minha morte impossível. Uma o considera lunático, um assassino em potencial, esconde sua verdade maior dos olhos alheios, e aí tudo se clarifica o quanto devemos caminhar sozinhos. A crise é a ponte maior, que desperta caminhos mais lúcidos. Resolvi abandonar a estupidez com a mesma força que se abandona seres em hospitais psiquiátricos. Dessa força conheço. É algo que queima, faz fogo e despeja as cinzas como uma maré depois da manhã… Resolvi adentrar o mais Escuro da Alma, e para isso, acreditem, não há Guardião, Mensageiro, Ladrão, nada que possa reverter nossa estupidez inicial de ter esquecido o Amor. Sim a velha palavra que todos amam e ninguém a pratica… Por isso desse relato selvagem não aparecerá mais essa palavra espúria ou dada a esquecimentos, porque é melhor esquecê-la nas frases, mas a viver nos olhos e mãos, com tamanha intensidade que mesmo o desprezo alheio, mesmo a incompreensão generalizada, mesmo uma nova reclusão, será apenas uma passagem para uma Vida maior, para uma Existência mais plena e sentida como a Verdade última de Tudo que existe. Quem se importa se hoje o pão estava ressecado? Ou se a dita pessoa amada lhe permitiu mais um punhado de dores novas? Quem realmente se importa de pegar a Alma e a levar para passear? Se essas respostas roubarem um suspiro mais acelerado, ou um esgar no rosto adoecido, talvez haja uma chance, ainda que mínima, de escolher pelo caminho do crescimento. Hoje envelheço, como Tudo que acredita no Tempo. Mas como busquei mais profundamente meu olhar mais despido, minha esquina mais nua, minha primavera mais deserta, posso dizer com extrema alegria o quanto é bom. Sim, é bom… É bom quando se corre a estrada em lágrimas por uma ninharia de sentimento, mesmo que o dia esteja convidando a sorrir sua luminosidade perpétua. É bom quando avistamos um cachorro reservado a longas horas de rua nos abanar o rabo com suas últimas forças. Ou o sorriso da criança que mal sabe que um dia irá estar na cama nua e amarrada em nome de uma explosão de emoções. Quem gostaria de ver tudo isso? Hoje, acordei com a Alma escancarada. Pela porta da frente vi dois homens. Pareciam simples. Andavam como se adivinhassem meu maior medo. Não disseram nada. Nem podiam… Dei-lhe as mãos e eles perguntaram com extrema inocência, algo que até esse momento não pude compreender totalmente: “- Você aceita?”. E respondi com a prontidão de um guerreiro sem guerra: “- Sim!”. E foi com tanta firmeza que os dois sorriram se entreolhando, mas não era deboche como a antiga mentira da saúde imperfeita, era uma amplidão que surgia naquelas bocas. Sabia que agora estava entregue a uma rota tão desfigurada para os outros que se realmente tivessem visto aquela completude que hoje me foi permitida, teriam buscado uma arma o mais rápido possível para fugir da sensação escura e avassaladora… “- Nunca sentiu isso?”, perguntou o mais afável deles, e tive que me segurar para não chorar longuíssimas horas desta pergunta feita num modo tão gentil que me assustou. “- Não… hoje é a primeira vez…”. Então, como se o mais bruto e duro deles, mas com um sorriso tão aliviador quanto o do outro, buscou uma flor branca sabe-se lá onde, porque aquela visão onírica era desprovida de qualquer característica compreensível, e a trouxe com estas palavras: “- Tenha calma agora. Entregue tudo. Tudo. Tudo será renovado. Esqueça as palavras que teve até hoje, esqueça as vivências que teve até hoje, esqueça as pessoas que viveram contigo até hoje, esqueça! Esqueça Tudo!”. “- Vocês são ladrões?” perguntei meio atônito, e eles se entreolharam longamente, mas tão longamente e num semblante que me desesperou tão fortemente que vi o que vieram fazer… “- Agora descanse. Essa sua jornada é tão perigosa que precisará de todas as energias que possa ter…”. Quando acordei, estava na minha dimensão mais improvável. Tinha os olhos agonizantes, e mesmo assim sabia que era o melhor que poderia ter acontecido. Nunca duvidei. Vi o quanto estava despreparado até hoje para ir para esse escuro… O Homem carrega sua Luz. A Luz se veste de Homem para acender o Mundo. E quando os quartos escuros nos aprisionam, só é preciso lembrar, longe de qualquer sentimento, que somos a maior de todas as luzes condensadas… Vivemos por… Desculpem, me privei de falar a palavra esgarçada nesse retalho de vidas. Hoje, e só hoje, acessei minha perturbação maior, com a força de ter nascido novamente. Sem ninguém… Essa semana se me "apareceu" uma figura:
- Mas é claro que tenho consciência, eu fecho a torneira escovando os dentes! Ótima frase, mas como se ela libertasse para destratar os outros, ser agressivo, enfim... Parecido com aquela senhorinha que separa o lixo orgânico do reciclável impecavelmente para ajudar os coletores e recicladores que vão vasculhar o lixo, e quando chega o lixeiro o maltrata, afinal, ele é "só" um lixeiro... Alguém conhece uma figura dessas tão "humana" de contradição que nos cria um personagem completo na alma? Ouvi esses dias:
Estamos na Era em que tudo tem preço e nada tem valor O sábio sufi tinha um turbante enrolado em quatro voltas sobre a cabeça:
- São quatro voltas no meu turbante - E que que tem? - A primeira volta é a renúncia do mundo, a segunda a renúncia do outro mundo, a terceira a renúncia da consciência dos mundos, e a quarta a renúncia da renúncia - Você nem chega perto de entender a mente dele... Posso tentar esboçar, mas ela é tão imaginosa que levaria duzentos anos de imaginação sua para chegar perto da compreensão dele... Digamos que um grupo queira roubar um banco. Eles gastarão alguns dias para imaginar como iniciar essa empreitada, e pior, terão de estudar o banco inteiro, por meses, talvez vários para entender o banco todo, seus alarmes, seguranças, dias, horários, tudo... Certo?
- Certo... - Já ele em um dia teria tudo pronto em sua imaginação... - Como assim? - Ele tem a capacidade de imaginar hipertrofiada, de um jeito fora do comum até para quem imagina bem... Ele em um dia, nesse caso do banco, imaginaria tudo, cada mínimo detalhe, teria tudo, todas as possibilidades desse banco, em alarmes, seguranças, pessoas, até os rostos, roupas, tudo... Quando digo tudo não é exagero... Então se ele fosse roubar o banco, ele em um dia já teria tudo que ele precisa, pois sua imaginação teria imaginado tudo, e de alguma forma qualquer situação que ele se colocar já estaria dentro de seu universo de possibilidades, ele já estaria pronto, sua imaginação já teria preparado sua consciência... - Mas isso é só com o banco, por exemplo? - Não, com tudo! Ele imagina todo o mundo antes dele, cada instante do olhar dele só concretiza o que a imaginação dele prévia já tinha imaginado... É tão fora do comum que ao sair do quarto, ele imagina que atrás da porta do seu quarto pode haver de tudo, tudo mesmo! Campos de futebol, quadras, outras portas, ambientes doidos pintados de roxo, um campo de refugiados, um restaurante, uma faculdade, até mesmo um banco... Tudo! - Mas quando ele sai, ele não se decepciona por ser diferente do que ele imaginou? Ou ao menos não atender todas essas possibilidades? - Mas quem disse que é diferente do que ele imaginou? Pelo contrário... E se não atende suas várias imaginações, isso não o decepciona ou desanima, pelo contrário, faz ele imaginar mais um monte de absurdos para o instante seguinte, para seu próximo passo, para seu próximo instante de vida. A imaginação dele jamais pára... - Então ele sabe como é o universo inteiro! - Agora quem não entendeu fui eu... - Ora, simples. Se ele imagina tudo a cada instante de vida, e uma de suas imaginações se concretiza em vida, que é o instante em que ele vive, mas já imaginando uma próxima possibilidade, ou melhor, várias outras possibilidades, ele já imaginou todo o universo, todas as galáxias, todas as formas de tudo, até de possíveis vidas se é que podemos falar vidas dentro dessa imaginação... - Não tinha pensado nisso... Verdade, ele já foi até o fim do universo e voltou, mas o problema é que ele nem sabe, porque dentro desse universo infinito de possibilidades ele não sabe qual realmente se concretizaria... - Verdade... – meio triste – Que estranho, no fundo ele sabe tudo e não sabe... - Mas em compensação se você for tentar conversar com ele, parecerá um retardado mental, que mal consegue falar... - Nossa, mas por quê? - Justamente porque sua hipertrofia imaginária faz seu cérebro se ocupar disso, e desses universos, e ele mal consegue articular palavras, frases, uma idéia que seja, porque seu pensamento é tão rápido e tantas coisas o perpassam em um único instante, que ele não consegue dar forma a esses tão gigantescos e abstrusos pensamentos e imaginações... Acredite, ele já imaginou de tudo, e continua a imaginar... - Mas se ele imaginou tudo, como continua? - Porque dentro de uma imaginação, ele a varia, e isso vai até o sem limite, o sem tamanho, o infinito... - Não entendi... - Veja, digamos que ele imagina essa nossa conversa, essa cena toda, inclusive com as palavras e diálogos (ah sim, porque as palavras não escapam da imaginação dele, não são apenas cenas, quando tudo é tudo...). Então, dias depois, digamos que estejamos juntos e isso dê a sua mente uma nova possibilidade de imaginação, ele voltará a pensar a antiga imagem que teve, mas com detalhes mudados, palavras mudadas e isso ao infinito... Por exemplo, ele imaginará essa cena, mas nossa roupa de uma cor diferente... Depois imaginará essa conversa com uma única palavra diferente dentro da conversa inteira, e depois mais outra palavra, até mudar o discurso inteiro! É sem fim... - Mas ele consegue? Ele teria de ter um tempo infinito também para isso... - Consegue, ele faz isso em um instante, é absurdo, acredite... - Ele no fundo sabe todos os destinos, o seu, o meu, o dele, o de todas as pessoas, os caminhos da humanidade, as invenções, todos os discursos, palavras, obras de arte, universos, poesias, músicas... Tudo! - Sim... - Mas não pode, nem tem como reproduzir e trazer isso a nós... - E também não sabe, qual dessas imaginações vai virar fato... - Bom, mas agora pensando, se realmente isso acontecer, e for verdade que tudo isso transpassa em sua mente, como você sabe disso se ele parece um retardado mental falando, como você disse? - Sim... Boa pergunta... Isso é uma longa história... - Digamos que minha curiosidade me dará todo o tempo para ouvir... - Bom... Difícil até começar... Veja, ele já tinha nascido, e em um dos exames desses que se fazem hoje nos bebês, trazia uma diferenciação na forma de agir do cérebro... Como eles chegaram a isso, não me pergunte, porque não sei. Mas o doutor, ao invés de desanimar e nos trazer uma “má notícia”, pelo contrário, veio sorridente, disse que havia chegado alguém tão fora dos padrões médicos e humanos, que certamente tinha algo de extraordinário nele. Na época, fez exames mais detidos no cérebro ao descobrir essa disfunção, que o médico disse ser no início proveniente de uma química, que o sangue tinha uma substância nunca vista, e ao ver de onde provinha essa substância era do cérebro e resolveram investigar melhor. Fizeram de tudo que possa imaginar, só faltou abrirem a cabeça da criança. Mas não chegaram a isso. Após tanto falatório, pesquisas, olhares e tudo que você possa imaginar de curiosidade médica, disseram que ele seria provavelmente muito, mas muito inteligente, a ponto de ultrapassar até o modo como conhecemos as coisas... Já pensou? - Nossa... Mas e aí? - Então, falaram para ficarmos despreocupados, que todas as análises indicavam sem dúvida alguma que ele seria super dotado, até mais que “super dotado”... Esse conceito seria pequeno para ele... Diziam que sua atividade cerebral já era desde o início fora do comum, que as ondas cerebrais e mais um monte de exames que fizeram, mostrava uma disfunção, sim, uma disfunção, só que “benéfica”. - E como você pode inferir disso todas essas coisas sobre imaginação? - Calma, posso contar? - Vai, vai, desculpa... - Começamos a cuidar dele, e o tempo passa como sempre haverá de passar... Ele foi crescendo, e víamos atitudes estranhas, ele como bebê, parecia já ser criança, ou pior (melhor?) como adulto! Ele já mexia em um pente de cabelo por exemplo passando no cabelo da mãe. Como ele sabia, jamais tinha visto? Ele sabia mexer em tudo e para que servia dentro da casa... Até aparelhos que eu comprei em promoção desses canais de televisão, que na verdade chegavam aqui e eu nunca soube fazer funcionar e desistia, jogava na caixa e deixava esquecido em um armário qualquer... - Claro, é estranho, mas daí a tirar conclusão dessa imaginação... - Está impaciente... Veja, só que apesar dessa “precocidade”, ou melhor, essa sabedoria inata, porque ele era mais que precoce, sabia mexer em coisas que nem eu sei até hoje como ele fez funcionar, mesmo com isso, ele jamais tinha pronunciado uma palavra sequer. - Nada? - Balbuciava, grunhia, mas tudo muito desconexo... - Desconexo para vocês, talvez fizesse o maior sentido dentro dos seus universos... - Sim, sim, mas até então nem sabíamos... Cresceu mais, cresceu mais, e os outros já falavam, e ele não conseguia falar, ficava um pouco amuado por não conseguir falar, triste... Ia para a escola, mas nas provas fazia desenhos e símbolos fora de qualquer compreensão... Lembro de pegar uma prova de matemática com símbolos tão abstrusos, obscuros que a professora ficou com medo e nos chamou... Eu realmente até hoje não sei o que aquilo tudo quer dizer... Mas deve ter algum sentido, bem provável... - Mas é por isso? E a imaginação? - Está com pressa? Você disse que sua curiosidade ia deixar todo tempo do mundo... Então... Um dia chegamos em casa, ele estava tão triste, tão abatido, algo estava acontecendo, ele tentava dizer, desenhava no papel, mas era ininteligível para mim, não formava bem palavras, mas ele sempre parece estar pensando em algo, era como se tivesse um rio, ou melhor, um mar inteiro acontecendo, mas era uma revoada e nem tinha como dar forma a esse mar, ele apenas escoava... Fomos novamente ao médico. Infelizmente o médico que sabia da história e tinha feito todos os procedimentos e acompanhara tudo de perto tinha morrido, meses antes. Contou a história para um aluno seu do hospital, e este resolveu pegar o caso. Contamos tudo, absolutamente tudo para o médico, e perguntamos por que o falecido médico tinha nos despreocupado de sua “super dotação” mental e não entanto mal conseguia falar, desenhava coisas sem nexo, tudo fora de um padrão... Entende? - Sim, sim, e o que o médico fez? - Mais uma bateria gigante de exames, agora com mais tecnologias, mais precisões, mais detalhamentos... Novamente o mesmo resultado, que sim, ele era super dotado, fora de qualquer padrão, aliás, nem tinha como chamar super dotado, porque não dava para medir ele pelas “réguas comuns”... Que sua atividade cerebral era incessante e sem paralelo no mundo, que era um caso mais que raro, porque era único, singular mesmo... - E daí? - Insistimos com o doutor, como podia ser tudo isso e nem conseguir falar? - Talvez esteja justamente aí o problema, seu pensamento está fora das nossas formas de pensamento... - Sim pensei nisso, mas esse pensamento tão extraordinário, teria de entender ao menos o ordinário, certo? - Mas e se as bases desse pensamento extraordinário nem estiverem no ordinário? Nem daria para falar em pensamento “extra”-ordinário, porque ele nem se fundamenta no ordinário... Entende? - Mais ou menos, mas acho que sim... Talvez, mas ainda assim me intrigava, uma mente assim tinha de entender o nosso básico... Insisti com o doutor que precisava entender o que acontecia, que me adianta, ou até mesmo para ele uma mente desse porte que não consiga dizer toda essa coisa “extra-ordinária”? Irá sempre parecer um retardado e com desenhos de formas estranhas? Insisti com o médico, alguma coisa tínhamos que descobrir, sem chance. Ele aceitou a empreitada. Lembrei que na época do nascimento o médico tinha dito de uma substância jamais vista, perguntei se nesse meio-tempo estudaram algo, se algum elemento foi descoberto... - E ele? - Disse que desconhecia o que eu estava falando, resolveu ir às anotações antigas do seu professor, procurou isso que eu dizia, encontrou, mas pareciam anotações desconexas, estranhas... Resolveu experimentar tudo de novo, estudaram novamente o menino, até o fim... Realmente algo diferente saía do cérebro do garoto. Ele disse que ia estudar e enviar para químicos de confiança e que voltássemos semanas depois... - E enquanto isso o garoto? - Ficava abatido, parecia que tinha algo para dizer, mas não conseguia... Um dia chorou... Ficamos todos desconsolados. O que podíamos fazer? Estávamos atados... - E depois? - Chegaram os resultados dos químicos, todos inconcludentes, que era alguma substância sem precedentes, que nada como aquilo tinha sido visto... E pior, como eu podia culpá-los? Enfim... O médico disse que ia fazer algo, que sua intuição ia lhe dizendo a algum tempo, ele me explicou por cima, disse que as estruturas morfológicas do menino eram idênticas aos demais, embora a atividade fosse absurdamente maior além de excretar essa substância nunca vista, então que ele iria pesquisar um sedativo das células dessa região de super atividade e assim faria ela diminuir seu ritmo e quem sabe algo disso poderia ter algum resultado, ainda que imprevisto... - Mas e a saúde do garoto, se ele tem uma atividade fora do comum nessa região, sedá-la não podia acontecer algo? - Sinceramente? Não sei, mas eu aceitei, pois qualquer coisa era melhor que esse tormento do garoto... - E o que houve? - Duas semanas ele veio com uma injeção, disse que tinha chegado ao que queria, e só precisava do meu acordo com aquilo... - Você aceitou? - Sim, a equipe toda se mobilizou, o hospital inteiro, deixamos ele em um quarto separado, e o médico deu a injeção... - E então? - Ele ficou uns minutos com os olhos fechados, e de repente abriu, quando abriu estava falando normalmente! - Sério? - Sim, e enquanto falava o médico anotava tudo, disse que o efeito da substância podia durar entre meia hora a uma hora... - E o que ele dizia? Dizia tudo perfeitamente? - Sim perfeitamente bem! Disse o que acontecia, disse que seu cérebro era mais que uma máquina fora de controle, que sua imaginação ia tão longe que já tinha visto tudo, que ele estar ali falando também já tinha sido imaginado por ele, tudo, que a vida inteira dele era um imenso dejá vu... Ficamos assustados de início, mas fomos ouvindo... Ele explicava que o turbilhão de sua imaginação não dava espaço para falar, para explicar, para coordenar o próprio pensamento, e que seu pensamento estava tão distante das idéias como as concebemos que até explicar isso era difícil, disse que ficava triste por não conseguir dizer todas essas coisas, que chorou por estar sozinho, por sua imaginação hipertrofiada e sem comunicação... Disse tudo, tudo de sua imaginação, cada detalhe, mas depois de vinte minutos começou a falhar sua fala novamente, olhei para o médico, queria ouvir mais, queria saber mais, e o médico não sabia me dizer o que era... - Não era o funcionamento anormal da região que esgotou a sedação? - O médico disse ser o mais provável... E agora fazia sentido ele saber mexer e manusear tudo que estivesse em sua frente... Aquilo era mais que corriqueiro para ele, porque ele já tinha imaginado tudo... Aqueles desenhos estranhos devem ser imaginações de coisas que nem estamos perto de conceber. Ele vivia um retiro alucinante em si mesmo. Mas pelo menos quando ele entrou novamente em sua função “normal” de imaginação, seu rosto estava mais aliviado, menos duro, mais calmo... Eu mesmo me senti muito melhor... - E agora? - Ele vive seus universos, e de tempos em tempos o sedamos para que conte o que queira contar... |
Poeta do HorizonteAlguém que dos retalhos da Vida, retira olhares e sinceridades inauditas... Histórico
May 2023
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