Um mendigo como símbolo. Não de uma proposta de vida única e singular, mas de uma nação inteira. Pedestres dançavam no desfile das pernas como uma brutal, insensível e visível indiferença. Mas havia um detalhe, um detalhe tão singelo que expunha uma nação ao seu momento de dorido sono e descaso. O mendigo fazendo de cobertor na cama improvável do chão duro e concreto a bandeira do Brasil. Era como se a própria nação na cena estivesse largada ao chão, e tentando esconder os dedos e cabelos já sujos acima do verde das matas mas sem ouro para brilhar uma realidade diferente. Nem o céu era azul para manter aquela cena, afinal, verão são as chuvas torrenciais que desmantelam casas ano após ano sem nenhuma novidade e com o mesmo descaso de sempre. Um homem anônimo e lançado ao seu descanso sobre a dureza e aspereza de estar no subterrâneo da vida. Não sei sua história, mas também por vezes não sei sequer a minha, o que sei é que aquela visão, aquela cena me despertou ao poético após longos meses sem escrever, e abaixo vem as letras que vieram sobre esse corpo enrolado na bandeira do nosso pais...
Bandeira de cartas marcadas Farmácia virou show-room de mais uma doença embalada Não sobra mais asfalto de colchão da pátria amada Como símbolo último a bandeira é coberta Como se o passado indigente tentasse ao menos descansar O sono é forte nas veias menos de sangue que tormenta Mas não uma tormenta tal qual dos mares Uma de silêncio e furiosa indiferença... A pátria se deita em um mendigo Não pela desgraça dos vencidos Mas daqueles que nem chegaram a jogar Porque infelizmente para ser vencido é preciso jogar Um jogo estranho de cartas marcadas E o coringa maior pode convencer e ter nome Antigo, encarnado e encantado pela sombra Da avareza dos instintos em descompasso Surgem regras petrificadas Nem se pensa na ressecada maldade indiferente Que parte como se fosse apenas um outro minuto Os passos nem pedem o chão como se fosse fácil passar Os olhos escancarados nem lembram ou revelam São enigmas partidos de uma existência sem pátria Apenas o concreto como travesseiro dos sonhos perdidos Como a sujeira e dedos na bandeira retrato De um mendigo símbolo de tudo que seria De um país que seria e se sujou e se cansou De um país que dormiu no asfalto esquecido...
4 Comments
Fausto Vieira de Moraes
1/23/2022 03:08:36 pm
Poeta do Horizonte retratou a crureza da realidade atravéz de sua lente poética de uma forma que todos nós vemos mas não compreendemos, só mesmo quem tem o olhar voltado para o horizonte.
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1/23/2022 04:27:07 pm
Parabéns, por sua sensibilidade e sua palavra muito bem desenhadas em forma de escrita.
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Fausto Vieira de Moraes
1/23/2022 04:31:00 pm
*crueza
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Luciana Torreão
1/25/2022 09:49:53 am
Uma cena dolorosa e sensível olhar. Nos faz refletir sobre as mazelas que olhamos e não vemos.
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Poeta do HorizonteAlguém que dos retalhos da Vida, retira olhares e sinceridades inauditas... Histórico
May 2023
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